segunda-feira, 18 de maio de 2015

O Neruda que você não leu, peguei de volta.

Lembro como se fosse hoje: Seu Carlos, o porteiro, já me conhecia, então foi mais fácil do que eu pensei buscar o que era meu. Bom dia, moça! Quanto tempo! Como vai? Vou bem, obrigada enquanto eu subia pelas escadas, porque continuo com medo do elevador parar no meio do caminho. O cheiro do cigarro da vizinha do 402 ainda continuava no corredor. O tapete do 406 ainda permanecia de cabeça para baixo. E a sua porta, como sempre, permanecia aberta, sem estar trancada, mas eu não era mais bem vinda.

Bati na porta pra ter certeza de que não tinha ninguém. Entrei com os mesmos pés de lã que eu saí da última vez, pedi licença para os quadros nos quais os personagens pareciam acompanhar meus passos. Peguei o que eu tinha deixado lá. Era um presente-surpresa. Mas você nunca percebeu. Mas também pudera, no meio de tantos livros, um a mais ou a menos, não ia fazer tanta diferença. Ainda deu tempo de folhear aquele que eu tanto gostava. O coloquei no lugar que encontrei. Passei os olhos em cada livro, só para ver se tinha alguma novidade. Não tinha. Só o pó da poeira que a rua soprava para dentro dos apartamentos.

Sentei no sofá para fotografar com os olhos o que eu não voltaria a ver tão cedo. O gato dormindo embaixo da mesa, as roupas penduradas, a luz da abajur que eu não sabia como apagar, o cheiro do café que ficou esquecido no braço do sofá. Fitei cada detalhe. Passei meu perfume na almofada que encostei só por impulso. Levantei. Saí.

Seu Carlos, posso deixar uma encomenda aqui para você entregar? Acho que não tem ninguém lá em cima, dizia eu pensando em desistir de levar Neruda comigo de volta. Aliás, pode deixar, eu mesma entrego depois. Seu Carlos ainda perguntou se eu queria deixar recado. Disse que não, que eu ligava. Mas eu não liguei. E eu nunca mais voltei.

2 comentários:

Rai Auri disse...

Amanda quando desatina.

Alê Santana disse...

Desatinadamente, Amanda.